A contribuição da extensão universitária para o desenvolvimento de Tecnologias Sociais
Por Aelson Silva de Almeida, Pró-Reitor de Extensão da UFRB.
Nos últimos anos, no Brasil, ocasionada por fatores político-conjunturais,a cobrança por uma universidade mais inclusiva e mais próxima das demandas sociais tem crescido significativamente. É advinda de setores de Extensão das Universidades Públicas dos movimentos sociais, organizações não governamentais e de governos, que cobram um compromisso, sobretudo advogando uma resposta mais efetiva à crítica, aos ajustes e, principalmente, à promoção do acesso dos grupos populacionais às políticas públicas.
Um dos exemplos ilustrativos dessa cobrança é o movimento de instituições em defesa da promoção da inclusão social de populações vulnerabilizadas pela pobreza por meio da disponibilização de Tecnologias Sociais (TS). A questão apresentada é: o que se espera da universidade pública brasileira em termos de contribuição para o desenvolvimento de Tecnologias Sociais? Ou, é possível a universidade, com o seu isolamento estrutural, articular a Extensão, o Ensino e a Pesquisa em favor da produção de Tecnologias Sociais para segmentos populacionais excluídos? São estas questões que o texto pretende elucidar ou, pelo menos, fornecer mais elementos para a construção de outra postura da universidade e órgãos financiadores em relação ao enfrentamento dos graves problemas de exclusão vividos pela maioria da população brasileira.
Questões estruturais da universidade
Para Dagnino (2004), a universidade é disfuncional tanto à classe mais abastada da população brasileira, quanto aos mais marginalizados. O autor evidencia que sua estrutura institucional, que prima pela promoção e status individuais, associada a uma visão linear de produção e utilização de conhecimentos e tecnologias, não possibilita, por um lado, a vinculação às empresas por meio da inovação tecnológica. Por outro, a postura de detentores dos conhecimentos científicos não possibilita maior aproximação das comunidades por não dispor de identificação com as causas populares ou, simplesmente, por não possuir conhecimento adequado que permita interação. Esse fato ocorre, na maioria das vezes, para tentar legitimar a prática, o oferecimento pontual de cursos, prestação de serviços e outras modalidades tipicamente assistencialistas.
Em outras palavras, o que se observa, na organização da vida acadêmica, é que as funções básicas – o Ensino, a Pesquisa e a Extensão –, quando existem, são exercidas com impressionante independência uma da outra. Ademais, são sempre percebidas como fim da ação universitária e não meio para promover o desenvolvimento e a qualidade de vida.
A indissociabilidade, prevista na Constituição Brasileira, tem sido historicamente renegada, e a Extensão, em especial, continua sendo considerada o “sapo” da história, quando deveria ser alçada à condição de “príncipe”, de acordo com a metáfora de Ribeiro (2007). Apenas mais recentemente, notadamente por interferência do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (Forproex) e de órgãos de governos preocupados com a efetividade das políticas públicas, é que o não financiamento da Extensão Universitária tem recebido críticas e começam a aparecer algumas iniciativas em órgãos de fomento, a exemplo das bolsas de Extensão do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Contudo, a dificuldade da implementação da Extensão Universitária não reside apenas no financiamento da Extensão, mas, sobretudo, nas concepções que lhe deram origem.
A prática de Extensão Universitária
A prática da Extensão tem origem na concepção de universidade detentora do saber, único, verdadeiro, iluminado que, por um lado, deveria ser transferido à população e, por outro, deveria ser colocado para assistir à população com o provimento de algum serviço. Dessa forma, a Extensão Universitária Brasileira herda os modelos Europeu e Americano da oferta de cursos e da prestação assistencial de serviços, respectivamente.
A realidade e a necessidade de repensar a prática da Extensão Universitária só começam a ser pautadas no Brasil a partir do movimento estudantil (União Nacional dos Estudantes – UNE) com os projetos de democratização do ensino. Mais recentemente, com a criação do Forproex, em 1987, os modelos conceitual e institucional receberam críticas e formulações de alternativas para o surgimento de uma Extensão Universitária mais engajada, dialogada e próxima da população mais excluída (SOUSA, 2000).
As novas proposições pressupõem uma ação processual e contínua, não pontual, em que o conhecimento científico interaja com os demais saberes da população, em um diálogo permanente, visando à produção de conhecimentos e à apropriação para a resolução de problemas concretos das pessoas e de suas organizações.
O Plano Nacional de Extensão Universitária (FORPROEX, 2001) é referência para a formulação de políticas de Extensão nas universidades públicas brasileiras e salienta a necessidade de superação da Extensão assistencialista e reforça a necessidade da Extensão como “processo educativo, científico e cultural que articula o ensino e a pesquisa, de forma indissociável, viabilizando a relação transformadora entre universidade e sociedade”.
Assim, para que a universidade crie vínculos com a sociedade de interação e não de transferência de tecnologias, destoadas das realidades vividas, é necessário criar, permanentemente, um ambiente institucional que reforce o caráter indissociável da Extensão, do Ensino e da Pesquisa. E, ainda, ir além na compreensão de que a prática extensionista interativa na universidade mantém uma constante dinâmica e renovação dos conteúdos em sala de aula e produz investigação, conhecimentos e tecnologias na medida em que as posturas defensoras da neutralidade axiológica deixam de existir e as pesquisas passam a ser a descoberta da realidade, dos problemas da população e das respostas aos problemas para a imediata apropriação dos resultados.
É nesse contexto de mudança de enfoque epistemológico (visão de mundo, compreensão da realidade) e metodológico (instrumento mais democrático na construção do conhecimento científico e tecnológico) que se insere a nova prática da Extensão. Decorre daí que a Extensão deve ser necessária para o processo formativo da comunidade acadêmica e também deve contribuir para viabilizar as transformações necessárias da sociedade.
Nesse último aspecto, há uma crescente demanda para que a universidade contribua com o desenvolvimento de TS, o que só se concretiza a partir da visão de Extensão interativa aqui defendida. É certo que essa visão não é compartilhada pela totalidade ou maioria dos docentes, mas incorpora-se por nichos existentes no seio das universidades públicas, ocupando as brechas e construindo uma nova possibilidade de mudança, como afirma Dagnino (2004).
As Tecnologias Sociais
A defesa do que se convencionou chamar de Tecnologia Social (TS) fundamenta-se na oposição às tecnologias convencionais. A universidade que se presta, por meio da Extensão e da Pesquisa, a desenvolver Tecnologias Sociais necessariamente necessita despir-se da tradição do modelo tecnológico moderno que produziu a tecnologia convencional ou pelo menos realizar as adequações necessárias para a nova realidade, especialmente dos empreendimentos populares, o que foi chamada pelo professor Dagnino (2004) de adequação sociotécnica. A TS contrapõe-se ao modelo que valoriza a liberação de mão-de-obra, utiliza insumos externos em demasia, degrada o meio ambiente, não valoriza o potencial e a cultura locais e gera dependência, características constituintes da Tecnologia Convencional.
A concepção de TS vai além do enfoque no artefato e agarra-se no contexto e na realidade concreta dos sujeitos para transformar. É um posicionamento político, na medida em que é um situar-se no mundo das pessoas e de seu espaço, sua organização, de forma independente, autônoma e autogestionária. A TS é um instrumento pedagógico, pelo qual todos aprendem no construir das soluções.
Essas características da construção social da TS aproximam do conceito de Extensão interativa. Compreender a concepção e as metodologias para desenvolvimento das TSs é fundamental para a atuação verdadeiramente de interação universidade–comunidade. De acordo com Thiollent (2005), as metodologias participativas e a pesquisa-ação possibilitam a integração e viabiliza o desenvolvimento de Tecnologias Sociais, indispensáveis ao desenvolvimento social.
Considerações Finais
A universidade pública brasileira necessita rever seus pressupostos paradigmáticos e antenar-se para as novas configurações e as necessidades do ensino superior. A articulação virtuosa da pesquisa e Extensão pode trazer, à luz dos princípios que regem o movimento pela defesa da promoção das tecnologias sociais, contribuições significativas para a transformação das estruturas que privilegiam poucos em detrimento de muitos. Quebrar resistências, modificar arranjos institucionais, valorizar nichos e iniciativas emancipadoras são condições necessárias para a profícua relação universidade–comunidade.
Referências Bibliográficas
DAGNINO, R. A tecnologia social e seus desafios. In: FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL. Tecnologia Social: uma estratégia para o desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundação Banco do Brasil, 2004. p. 187-209.
FÓRUM DE PRÓ-REITORES DE EXTENSÃO DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRAS. Plano Nacional de Extensão Universitária. Rio de Janeiro: Forproex, 2001. Disponível em: .
RIBEIRO, R. J. Prefácio: o sapo e o príncipe. In: ALMEIDA FILHO, N. Universidade nova: textos críticos e esperançosos. Brasília/Salvador: UNB/ Edufba, 2007. p. 11-18.
SOUSA, A. L. L. A história da extensão universitária. Campinas: Alínea, 2000.
THIOLLENT, M. Perspectiva da metodologia de pesquisa participativa e de pesquisa-ação na elaboração de projetos sociais e solidários. In: LIANZA, S.; ADDOR, F. (Orgs.). Tecnologia e desenvolvimento social e solidário. Porto Alegre: UFRGS, 2005. p. 172-189.
Fonte: Livro Tecnologia Social e Desenvolvimento Sustentável: Contribuições da RTS para a formulação de uma política de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação. Junho de 2010