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Entrevista | Paulo Nacif, reitor da UFRB, fala sobre os desafios de construir uma universidade e a possibilidade de implantá-la em Feira

18/03/11 13:16 , 13/01/16 15:44 | 1664

http://www.jornalgrandebahia.com.br/materia.asp?id=28395

18/03/2011 - Jornal Grande Bahia

Ao visitar a sede da UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia) em Cruz das Almas, para matricular-me no Mestrado em Ciências Sociais, deparei-me com uma realidade pouco comum ao setor público brasileiro, vários edifícios modernos, bem projetados e construídos, prédios antigos e conservados, o início de uma cidade universitária. Meu impulso imediato foi conhecer melhor a instituição e verbalizar para a sociedade esta joia do conhecimento.

Fui ao prédio da reitoria para entrevistar Paulo Gabriel Soledade Nacif, reitor desta jovem universidade, criada em 2005. Mas, que nasceu no Brasil Império, como registrado no livro: UFRB 5 anos: Caminhos História e Memórias. “A Ata de criação está recheada de assinaturas importantes. Era 1859 e Dom Pedro II criava naquele momento o Imperial Instituto Baiano de Agricultura.”

O texto a seguir, foi extraído do livro ‘UFRB 5 anos’, sintetiza e define o perfil da instituição: “Nascida a partir de uma ampla mobilização da sociedade baiana e em especial das regiões do Recôncavo e do Jiquiriçá, a UFRB traz em sua essência uma expressão e proposição de saberes, conhecimentos, formação, pesquisa e extensão diretamente relacionada à transformação social, notadamente, no que concerne a inclusão e igualdade sócio-racial.”.

Sobre o entrevistado

Falar de Gabriel é fácil, primeiro porque ele foge ao estereotipo do intelectual acadêmico: jovem, comunicativo e conectado a realidade que o circunda. Soledade é o tipo de entrevistado com que pode se conversar por horas. Admirador do escritor português José Saramago (falecido), ele escolheu uma frase para abrir o capítulo: O livro, a data, nosso caminho:

“O fim duma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com o sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre.”, José Saramago.

Perfil

Natural de Quaraci, perto de cidade de Itabuna, residiu durante 15 anos em Teodoro Sampaio, mudando-se para Itabuna, onde iniciou os estudos em técnica agrícola na EMARC (Escola Média Agropecuária Regional da CEPLAC, Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira). Mas uma vez, muda-se para Cruz das Almas, onde gradua-se em Agronomia pela Faculdade de Agronomia da UFBA. Na sequência, especializa-se com mestrado e doutorado pela mesma instituição. Ainda em Cruz das Almas começou a lecionar.

Com exclusividade, na última sexta-feira (11/03/2011), o Jornal Grande Bahia (JGB) entrevistou o reitor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Paulo Gabriel Soledade Nacif, que falou sobre a importância do presidente Lula no processo de interiorização do ensino superior no Brasil. Também falou sobre as realizações, dificuldades e desafios estando à frente da UFRB: “estamos construindo quatro cidades, são quatro campi universitários e o que se vê no campus de Crus das Almas é só uma demonstração do que ocorre nos outros campus.”

Entrevista

JGB - É impressionante a estrutura da UFRB, tendo apenas cinco anos. O que o senhor realizou e está realizando neste período?

Paulo Soledade - Nós vivemos um momento extremamente rico de implantação desta universidade. Na verdade a UFRB começa lá em 1859, com a criação do Imperial Instituto Agrícola, feito por D. Pedro II.

Por volta de 1879, nós tivemos a criação da Escola Agrícola Imperial, em São Francisco do Conde e na década de 1940, essa escola agrícola passa por Salvador e vem para a cidade de Cruz das Almas.

Da década de 1940 ao início dos anos 2000, nós tivemos uma Escola de Agronomia, aqui em Cruz, oferecendo o curso de Agronomia. Logo em seguida, o presidente Lula cria a UFRB, desmembrando a escola de Agronomia da UFBA (Universidade Federal da Bahia).

Então, avançamos muito. Estamos em quatro campis: Amargosa, Cachoeira, Cruz das Almas e Santo Antônio de Jesus e existe uma previsão de implantação do campus de Santo Amaro. Então, eu diria que nos empreendemos uma aventura impressionante ao implantar a primeira universidade federal completamente no interior da Bahia.

Não é fácil, pois nós não temos uma cultura nessa direção. A Bahia levou muito tempo sem ter universidades federais, enquanto Minas Gerais criou 11 universidades o Rio Grande do Sul cinco ou seis, Rio de Janeiro quatro, a Paraíba tem duas universidades, mas com uma densidade de cobertura incrível. A Bahia ficou para traz neste aspecto.

Então, quando a UFRB é criada nós temos esse desafio. Que é vencer a inércia que separou a Bahia das universidades. Assim, começamos a investir nos quatros campis. Já são mais de R$ 100 milhões investidos. Temos cerca de 400 servidores técnicos-administrativos e 500 professores. São 36 cursos de graduação, nove mestrados e um doutorado. Enfim, em cinco anos nós temos muito a amostrar e isso é um desafio enorme.

JGB - A instituição conta com quantos alunos?

Paulo Soledade - Com a matrícula feita, agora, em 2011, vamos ultrapassar o número de 6.000 alunos. Possivelmente, chegaremos a 12.000 alunos nos próximos cinco anos.

JGB - No campus da UFRB, de Cruz das Almas, é perceptível a construção de várias obras. O que está sendo feito aqui?

Paulo Soledade - O que você vê aqui em Cruz, também, está reproduzido em: Amargosa, Santo Antônio de Jesus e em Cachoeira. Cada um com a sua peculiaridade. Então, temos uma vida difícil de construir permanentemente. As licitações ocorrem, contratamos empresas e as vezes, essas empresas não constroem na velocidade que a gente quer.

Eu diria que estamos construindo quatro cidades, são quatro campis universitários e o que se vê no campus de Crus das Almas é só uma demonstração do que ocorre nos outros campis. Cachoeira tem uma peculiaridade porque o projeto da universidade é que ela esteja dentro do parque histórico.

Então, nos centros históricos de Cachoeira e São Félix, passarão a contar com várias unidades da UFRB. O CAHL (Centro de Artes, Humanidades e Letras) é um centro em funcionamento e nós devemos instalar uma unidade em São Félix que, será localizado no prédio do INSS, quase do tamanho do CAHL. Estamos construindo um cinema, construindo laboratórios.

JGB - A estrutura UFRB em Cruz das Almas lembra um pouco as maiores universidades estadunidenses. Vocês estão seguindo a ideia de criar uma cidade universitária?

Paulo Soledade - Sim. Na verdade, você tem dois padrões universitários. O primeiro, que é baseado no modelo norte-americano que é esse campus afastado da cidade, sendo uma cidade universitária efetivamente. Nisso eu diria que o modelo de Cruz, Amargosa e Santo Antônio de Jesus seguem um pouco esse padrão, mas existe o outro modelo que é o da universidade com uma vasta capilaridade na cidade, sendo que isso ocorre muito nas cidades históricas da Europa que é o modelo que estamos implantando em Cachoeira.

A ideia em Cachoeira nunca foi criar um campus isolado. Mas, um campus que tenha uma vinculação firme com o centro histórico, de modo a contribuir com a recuperação não apenas predial, mas socioeconômica e cultural daquele sítio que é tão maravilhoso e admirado por todo mundo.

JGB - Este modelo híbrido encontra similaridade no Brasil?

Paulo Soledade - Eu diria que no modelo da UFRB não. A UFRB é única, pois nós temos um modelo multi-campi. Mas os modelos não são tão distantes, entre Amargosa e Cachoeira tem-se uma distância em torno de 120 Km. Então é possível percorrer Amargosa, Cachoeira, Santo Antônio de Jesus e Cruz das Almas no mesmo dia, visitando os campis, tendo atividades diversas.

Esse modelo da UFRB, que se tem um aproveitamento dos sub-espaços, para ter uma especificidade dos campis em cada lugar. Ao mesmo tempo havendo uma multicampia efetiva, dinâmica, em que as pessoas possam conviver nos quatro campis. Seguramente a experiência na UFRB é única.

JGB - Quais são as dificuldades que o senhor encontra por estar iniciando uma universidade?

Paulo Soledade - As dificuldades são inúmeras. Primeiro a grande falta de cultura institucional. Você não tem essa experiência na Bahia de implantar uma universidade. Isso faz com que você não tenha especialistas nas áreas de engenharia, arquitetura, licitação, compras. Tivemos que formar a nossa própria equipe. Isto é terrível.

Na verdade a UFRB começa com um número grande de cursos, professores, servidores técnico-administrativos que precisam atuar, e ao mesmo tempo construir a universidade. Isso é um desafio enorme. Temos que seguir todos os processos da administração pública, que são processos compreensivelmente lentos. Em que temos que princípios da impessoalidade, razoabilidade, da equidade dentre outros. Então, isso faz com que os processos sejam mais lentos.

Temos, então, um descompasso da velocidade que a comunidade acadêmica requer e a velocidade que o serviço público permite. Esse, talvez, seja o maior desafio. Eu diria que nós somos um exemplo de sucesso.

JGB - Uma instituição universitária ela não para de ampliar as suas diversas concepções. O senhor acredita que nessa primeira fase será possível finalizar o projeto inicial? Isso seria quando? Quantos alunos seriam contemplados com esse projeto?

Paulo Soledade - A UFRB tem os quatro campi, sendo que no projeto inicial tínhamos a proposta de mais três campi, sendo eles em Nazaré, Santo Amaro e Valença. O MEC ainda não autorizou a implantação desses campis. Nós temos uma possibilidade grande da implantação do campus de Santo Amaro, ainda esse ano. O IPHAN (Instituto Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) está apoiando nessa direção.

Existe uma reivindicação muito forte do ex-deputado Colbert Martins, do deputado estadual Zé Neto de que a UFRB vá para Feira de Santana também. Eu acho que existe uma possibilidade grande nessa direção. Mas, eu acredito que o projeto como está concebido hoje nesses quatro campis, a UFRB deve ter em torno de 13 mil alunos até 2015.

JGB - Lendo o livro ‘UFRB cinco anos: caminhos, histórias e memórias’, eu vejo que o senhor cita Saramago e ele é o único prêmio Nobel para a língua portuguesa que nós temos. Assim, o que o senhor pensa da influencia de Saramago para esta instituição?

Paulo Soledade - Saramago é um exemplo de humanidade. Ele tem uma história única. Uma pessoa comum, mas com um talento maravilhoso, que consegue construir uma cultura universalista a partir das suas experiências pessoais e eu acho que isso tem muito haver com a própria UFRB.

Citamos Saramago, mas temos um poeta baiano que fala de forma muito precisa que: “quem não é recôncavo não pode ser reconvexo”. Esse é outro desafio nosso, estar ligado ao recôncavo, mas não ter que construir uma cultura universalista, ser reconvexo, também. Neste aspecto, Saramago é um grande exemplo e nos seus livros, a gente vê a dimensão do que o homem é capaz, tanto de coisas boas e coisas não tão boas. Ele é um exemplo de pessoas comuns que acreditam na potencialidade humana e que chega a extremos muito positivos.

JGB - O senhor ainda nos seus textos fala que esta instituição de ensino tem o papel de encontrar essa diversidade e fazer uma reinvenção deste homem baiano, do interior. O que é isso? O que significa isso para esse conceito de universidade?

Paulo Soledade - Eu diria que a Bahia tem uma característica muito particular, na medida em que nós temos um estado multidimensional em termos de cidades, com um território extremamente vasto, com uma população muito diversificada, mas nós tivemos um excesso de soteropolização. Na verdade, a gente concentra muito poder na Bahia. Poder cultural, poder econômico e social em Salvador e isso faz com que todo o interior da Bahia, mesmo o interior mais imediato a capital como Feira de Santana, o recôncavo, tenham pouca capacidade de influenciar nos destinos do Estado, e mesmo, de ser capaz de construir um projeto de Estado a partir do local em que a gente está.

Salvador é uma cidade maravilhosa. Por muito tempo ela concentrou toda a inteligência baiana. Na medida em que, era natural pessoa ir para estudar lá. Tivemos o processo das universidades estaduais que já chega ao seu limite e agora nós temos uma grande potencialidade de criar novas universidades federais como a UFRB, fazendo com que as inteligências do interior permaneçam no interior, de modo a construir e aumentar o capital social das suas regiões.

Então, não tenho dúvidas de que esse papel das universidades é algo desafiador e a gente tem orgulho de ter nascido no interior, de ter estudado ali, claro de ter conhecido o mundo, mas, ter o interior como uma referência positiva. Eu acho esse um desafio interessante que a UFRB junto com as outras universidades estaduais, pode-se contribuir muito.

JGB - O presidente Lula no discurso de inauguração desta universidade em Cachoeira, ele fala que o maior legado de um pai, de uma mãe para um filho ou uma filha é a educação. Sendo também que o maior legado de um governo é a educação. Como o senhor avalia o papel do governo Lula no processo de interiorização da educação superior?

Paulo Soledade - É algo impressionante. Na verdade, a grande pergunta que deve se fazer é: como nós podemos esperar tantos anos para que esse processo se iniciasse? O presidente Lula determinou de forma categórica essa interiorização. Ele tem uma experiência muito concreta de como é terrível esse processo de migração para os grandes centros.

Acho que essa experiência pessoal influência muito na dinâmica de suas políticas. Nós tivemos cerca de 200 campis criados pelo presidente Lula no interior do Brasil. Isso muda a geografia e configuração do ensino superior. Ele teve um papel fundamental. Ele reconstrói o estado brasileiro e ainda hoje é triste vê uma oposição que diz que concurso para servidores públicos incha a máquina. Devemos ter um estado forte que dê conta do tamanho do Brasil.

O Brasil é grande, então, o estado tem que ser grande não dá para comparar o Brasil com países minúsculos. Nesse aspecto, o presidente Lula deixa um legado fundamental e eu não tenho dúvidas de que na Bahia o seu maior legado será a UFRB.

JGB – Deixo com o senhor a palavra final?

Paulo Soledade - Gostaria de falar da alegria em conhecer o projeto do Jornal Grande Bahia, sendo que não é comum vermos projetos dessa natureza um trabalho com independência e inteligência. É um grande prazer ter contato com esse projeto e eu espero em breve participar de outros momentos, para continuar essa conversa tão interessante e inteligente.

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