Pela primeira vez no formato de mesa redonda, a aula magna de abertura do semestre letivo da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) discutiu os “Desafios da Universidade Pública Federal na atual conjuntura”. A aula magna marca a abertura do semestre 2019.2 e foi transmitida ao vivo pela UFRB TV, mantida pela Assessoria de Comunicação da instituição.
Para as discussões ocorridas na manhã da última quinta-feira, dia 29, no auditório da Biblioteca, Campus Cruz das Almas, estiveram presentes os reitores João Carlos Salles Pires da Silva, da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e atual presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes); Joana Angélica Guimarães da Luz, da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB); Fábio Josué Souza dos Santos, da UFRB; e a ex-vice-reitora da UFRB, Georgina Gonçalves dos Santos.
O cerimonial fez a composição da mesa de honra com a presença dessas autoridades educacionais; seguida de execução do Hino Nacional. O reitor, Fábio Josué, fez a leitura de resumo dos currículos de João Salles, Joana Angélica e Georgina Gonçalves. O evento contou com tradução em Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS).
Com auditório lotado de professores, técnicos, gestores e alunos, as discussões se iniciaram sobre as dificuldades de manutenção das atividades de ensino, pesquisa e extensão das universidades públicas federais para fechar o semestre 2019.2 e os cenários possíveis para o futuro, com as discussões da Lei Orçamentária Anual (LOA), no âmbito do Governo Federal, que prevê continuidade de uma política oficial de arrocho orçamentário e corte de investimentos públicos em educação.
A primeira a expor suas impressões sobre o tema foi a professora Georgina Gonçalves. Para ela, o processo de formação da elite brasileira fez com que ao longo da história, a educação não fosse parte do processo formativo de uma nação soberana, ainda no século XVI. “O Brasil é o último lugar que se implanta universidades nas Américas” e isso diz muito sobre o processo de construção do ensino superior e do desenvolvimento nacional.
Segundo ela, a implantação da UFRB, há 14 anos; da UFSB, há 5 anos, e mesmo a da UFBA, que tem pouco mais de 70 anos de história, mudaram a paisagem do ensino superior no século XXI no Brasil e na Bahia. “Antes tínhamos apenas 6% dos jovens, de 18 a 24 anos, que freqüentaram o ensino superior e agora já são 17%, índice que melhorou, mas muito abaixo do que desejamos”.
Para Georgina, o sistema federal de ensino superior está ameaçado pelos constantes ataques financeiros, orçamentários e políticos de parte da elite governamental. Segundo Georgina, desde 2014, os recursos federais direcionados à UFRB sofreram contingenciamentos e cortes e essa situação se mostra “asfixiante” para a manutenção de ações de ensino, pesquisa e extensão.
A segunda expositora foi a professora e reitora da UFSB, Joanna Angélica, que concordou com a argumentação de sua antecessora, sobre o marco fundador das universidades públicas federais no Brasil como tardia em relação aos outros países das Américas e o seu papel como agente propulsor de desenvolvimento humanístico, econômico, social, político e cultural.
A mais antiga universidade pública federal brasileira é a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) que tem 99 anos enquanto a Universidade Nacional Maior de São Marcos, em Lima, Peru, data de 12 de maio de 1551 – e nunca parou de funcionar. “A universidade brasileira chega como espaço das elites, privilegiando poucos e isso tem se mantido como espaço de dominação”, descreve Joana Angélica sobre o modelo do ensino superior antes da expansão significativa ocorrida no século XXI.
“A classe dominante (e dentro dela, a classe média) ainda hoje não aceita a vigência das cotas sociais, as culturas e as políticas de inclusão”, afirma a reitora da UFSB, para quem a política de expansão incluiu “pessoas advindas de ensino médio público e segmentos minoritários da sociedade”.
Joana Angélica chamou atenção que, se preenchessem todas as vagas das universidades públicas e privadas brasileiras, apenas 17% das pessoas em idade escolar aptas estariam contempladas com o ensino superior.
Segundo Joana Angélica, a política de expansão do ensino superior deve continuar como política de Estado e de desenvolvimento nacional. Entretanto, ela pondera que o momento atual é de retrocessos no processo de manutenção e consolidação do ensino superior nas universidades públicas federais.
Joana Angélica disse, como exemplo, que na UFSB, as construções de três prédios da instituição, foram paralisadas causando a demissão de 270 trabalhadores de empresas terceirizadas que estavam nos canteiros de obras, como reflexo do contingenciamento de verbas federais.
O reitor da UFBA e presidente da Andifes, João Salles, criticou a minuta do programa “Future-se” que estimula pesquisadores a se destacarem, individualmente, como servidores públicos para que enriqueçam financeiramente a partir de publicações em revistas de renome estrangeiras e não servir ao bem comum, propósito maior da missão do serviço pública. “A dimensão mais elevada da instituição se quebra e coloca cada um por si”.
Para ele, a consulta pública sobre a minuta do programa Future-se está equivocada ao abordar o futuro das universidades, em questionário online, até aqui com a participação de pouco mais de 50 mil internautas, considerando nossas comunidades universitárias como “ineptas”. “O modelo deveria ser o de debates, de enfrentamento das questões e dar voz aos interessados dentro das universidades”, afirma João Salles.
João Salles enfatiza que “o nosso tempo e método não podem ser dessas consultas públicas on-line; é de resistência; é um método demorado, de construção de conceitos e defesa da universidade que supere duas questões, de representatividade e da representação, que seja guardado a universidade como espaço de democracia e de formação, de colaboração, de produção de conhecimento, de formação, de ampliação de direitos, de verdadeira acolhida. Sabemos quem somos”.
João Salles disse que as universidades precisam ser defendidas como valor universal e como tal devem se distribuídas em todos os cantos do Brasil. Como valor universal, “não é esse governo que quer fatiá-la agora; o ataque é anterior”.
João Salles citou um editorial da grande imprensa, em 2018, que defendia acabar com o paradigma da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão para as universidades do Norte e do Nordeste e deixando a universidade como ela é apenas para o Sul e Sudeste, em centros de excelência. “Para o Norte e Nordeste, querem apenas ensino superior e formação tecnológica”.
João Salles disse que o momento atual das universidades é de cerco orçamentário, onde não se garantem recursos nem ao menos para pagar contratos de água, luz, internet, serviços de vigilância, transporte, limpeza e manutenção, até o mês de setembro.
Ao final das exposições dos palestrantes, a comunidade acadêmica fez uma série de perguntas aos reitores João Salles, Joana Angélica e Fábio Josué e a ex-vice-reitora Georgina Gonçalves.
Presenças – Estiveram presentes a aula magna o vice-reitor da UFRB, José Mascarenhas Bisneto; os pró-reitores Rosilda Santana dos Santos (Administração); Tatiana Veloso (Extensão); Wagner Tavares (Gestão de Pessoal); Rosineide Pereira Mubarack Garcia (Graduação); e Ana Cristina Loyola Dantas (Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação Tecnológica).
Também estiveram presentes os diretores do CETENS, Jacson Machado Nunes (Feira de Santana); do CFP, Creuza Souza Silva (Amargosa); do CCAAB, Elvis Lima Vieira e o vice-diretor, Josival Santos Souza (Cruz das Almas); do CETEC, José Valentim dos Santos Filho (Cruz das Almas); do CCS, Flávia Conceição dos Santos Henrique (Santo Antônio de Jesus) e diretor e o vice-diretor do CAHL, respectivamente, Jorge Cardoso Filho e Gabriel da Costa Ávila (Cachoeira/São Félix); e a vice-diretora do CECULT, Viviane Ramos de Freitas (Santo Amaro).
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