A Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), convidada pela Academia de Ciências da Bahia (ACB), participou no último domingo (2), em Salvador, do cortejo “2 de Julho em Defesa da Ciência”, em comemoração ao Bicentenário da Independência. O evento, que ocorreu nos dias 1, 2 e 4 de julho, contou com a programação em celebração às lutas de Independência do Brasil na Bahia.
O cortejo contou com a participação da reitora eleita da UFRB, Georgina Gonçalves; do atual reitor, Fábio Josué e do ex-reitor Sílvio Soglia; e dos atuais pró-reitores Maurício Ferreira (PPGCI), Emerson Santa Bárbasa (PROAD) e Ana Paula Diório (PROEXC), além de servidores, técnicos, docentes e estudantes da UFRB. Compareceram também, pesquisadores e reitores de outras universidades e dos institutos federais. O grupo da UFRB encontrou e dialogou com diversas autoridades políticas federais e estaduais, o Movimento Negro Unificado, integrantes da Academia de Ciências da Bahia (ACB) e autoridades da Fundação Nacional de Artes (Funarte)
Estiveram presentes importantes autoridades políticas, como o presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva; o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues e organizações sociais, políticas, de ciências e de culturas, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia de CIências da Bahia (ACB), a Funarte, entre outras.
O último dia da programação da ACB, incluiu a participação do professor e vice-diretor do Centro de Artes, Humanidades e Letras, Sérgio Guerra, na mesa “A visão popular da independência no 2 de julho”.
Celebração
O Desfile do Dois de Julho celebra, anualmente, desde 1824, a festa da libertação da Cidade de Salvador pelas tropas do Exército Libertador - formada por autoridades e comandantes ligados inevitavelmente aos grandes proprietários baianos com a participação de pessoas livres, pobres, libertos e escravos contra o invasor português. Em 1823, Salvador possuía uma população estimada em 47.146 habitantes.
A Guerra da Independência do Brasil na Bahia durou mais de um ano entre 1822 e 1823 e envolveu diretamente todas as vilas do entorno da Bahia de Todos os Santos e muitas das vilas do interior da Província da Bahia, representando um contingente em armas de mais de 20 mil pessoas e outras imensuráveis em diversas outras frentes de atuação.
O professor da UFRB e historiador, Sérgio Guerra Filho destaca em sua dissertação "O povo e a Guerra" (UFBA, 2004), que embora o povo lutasse contra o invasor português, havia uma contradição no modelo de sociedade baiana, então vigente, que era altamente hierarquizada e excludente, social e politicamente, em prejuízo das classes populares. Essa contradição era marcada pela escravidão e as desigualdades raciais, a luta por liberdade, acesso à terra e a direitos políticos das classes pobres baianas que lutavam, simultaneamente, contra o invasor português e o modelo de sociedade baiana.
Para Sérgio Guerra, "um povo que foi deliberadamente impedido de ter acesso às instâncias de poder e decisão pelas autoridades e comandantes – ligados inevitavelmente aos grandes proprietários baianos – para que a Bahia se alinhasse à independência conservadora que já triunfara a partir das províncias do Sul" não teria permissão da elite para que as camadas populares fossem incluídas com suas pautas, sob o novo regime imperial. Afinal, a Bahia deixou de ser uma capitania portuguesa para se tornar uma província brasileira, ou seja, a troca de Portugal para Brasil como referência identitária e de pertencimento era evidente. Os grandes proprietários baianos queriam manter o status quo a todo custo.
"A discordância ou descontentamento de tais camadas constituiu numa sinalização política em favor de uma independência que tivesse entre suas prioridades a inclusão política de grande parcela da população, até então desprestigiada. O fim da escravidão e das desigualdades raciais, a luta por liberdade, acesso à terra e a direitos políticos – mesmo longe de uma real possibilidade de materialização – já faziam, há algum tempo, parte da pauta política das classes pobres baianas. Ao lutar contra a opressão colonial e a favor da sua própria liberdade durante a Guerra de Independência na Bahia, puderam experimentar o autoritarismo das elites, direcionado incisivamente para evitar qualquer possibilidade de acesso popular às instâncias de poder", descreve Sérgio Guerra.
" O novo regime pelo qual lutaram as classes populares durante a Guerra seria, novamente, o velho, excluindo-as política e socialmente e o povo esteve sensível a estes fatos, respondendo com rebeldia. No entanto, esta rebeldia teve seus limites" afirma o historiador.
A Constituição do Império, outorgada em 1824, tratou de definir quem era brasileiro em termos legais. Os nascidos em terras americanas das antigas capitanias do Império português passavam a ser, automaticamente, membros da nação brasileira. Os que fossem nascidos em Portugal deveriam realizar juramentos à Constituição do Império junto às autoridades locais para serem considerados legalmente como brasileiros adotivos. "A condição de brasilidade estava intimamente ligada à ideia de pertencimento a uma comunidade política e aos derivados direitos próprios à cidadania brasileira. Decerto, nem sempre esta cidadania estava imbuída de um aprofundamento filosófico, jurídico ou ideológico. Esta condição e esta percepção encontravam-se, em grande medida, difusas em diversas ações que fundamentavam a sua legitimidade na condição de pertencimento ao Império do Brasil e à Nação brasileira", escreve Sérgio Guerra, em sua tese "O antilusitanismo na Bahia do Primeiro Reinado (1822-1831)".
Em sua tese, Sérgio Guerra. destaca que a defesa da autonomia provincial e a implementação de barreiras à vinda e à permanência de portugueses na Bahia eram faces de uma mesma moeda, na medida em que a política centralista – no caso de abril de 1831, encarnada no “português” D. Pedro I – e os interesses portugueses eram vistos como obstáculos ao desenvolvimento da Bahia e do Brasil. "A relação entre a presença portuguesa e a impossibilidade de realização da soberania brasileira têm raízes na própria guerra de Independência na Bahia, quando a incorporação de portugueses emigrados da Cidade da Bahia para as vilas foi vista como uma estratégia de “perfídia e sutileza” cujo objetivo era submeter a Bahia – e, a partir daí, as províncias vizinhas – ao “tirano jugo”. Mesmo depois do término da guerra, esta percepção se perpetuaria, tendo sido expressa nas atas dos movimentos de dezembro de 1823 e de abril de 1831", informa Sérgio Guerra.