Dia internacional da mulher, por Daniela Rita de Souza
“Não se nasce mulher, torna-se mulher”
Simone de Beauvoir
Na esteira do exemplo das operárias têxteis que, há mais de um século, morreram na sequência da luta, cabe-nos a todas e todos nós pugnar para que sejam garantidos os direitos sociais, sexuais e reprodutivos das mulheres!
Hoje, 8 de março, dia Internacional da Mulher, data reconhecida oficialmente pelas Nações Unidas em 1977, não é um dia só de comemoração, mas de rememoração da sua própria história, e deve ser útil para que possa ser pensada a partir de toda sua negação na sociedade patriarcal. Mais que isso, um dia de repensar elas próprias, perceber a importância de uma autodescoberta como indivíduo, não apenas do sujeito coletivo e genérico, pois a experiência vivida por cada pessoa é essencial para a desconstrução da questão de gênero, transcendendo uma condição de marcação como mulher, para além do que é dito feminino e até mesmo masculino.
De uma maneira geral, do ponto de vista histórico cultural o homem e a mulher nunca foram iguais, até porque a marca social que conhecemos é o modelo patriarcal, onde o homem destinou a mulher um lugar de segundo plano, algo secundário, menor, numa posição de subalternidade, subserviência e dominação. Um símbolo clássico do lugar da mulher assumindo o papel de coadjuvante é a célebre frase “por trás de um grande homem existe sempre uma grande mulher” por que não: ao lado? Nesse contexto, as mulheres foram proibidas por muitos séculos de exercer a sua intelectualidade, de estudar, de ir e vir.
Hoje caminhamos na trajetória de desconstruir esse sistema não mais tão dominador, porém ainda muito machista, onde o homem é tido como essencial e a mulher mera “ajudante de pedreiro”. Portanto, há que se pensar ainda quais são as lutas das mulheres de hoje, como pode vir a ser o empoderamento feminino, ou seja, cuidar da sua própria vida, pagar as contas com seu próprio trabalho, assumir diversas profissões inclusive as típicas masculinas, poder dizer o que pensa sem ser julgada, enfim, ter a independência econômica, social e possibilidades de sublimação impensáveis para a mulher do passado.
Pensar também a possibilidade da escolha sexual, e uma segunda (e a terceira e a quarta…) chance de um casamento feliz, ou de não se casar, reduzindo a distância entre os sexos até o limite da mínima diferença. Ainda cabe a mulher, desmistificar a configuração da maternidade como obrigação, devendo ser pensada dentro de uma ética, se é possível, se pode bancar. Muitas mulheres não se questionam, pois a ideologia que se constrói essa mística da maternidade é muito pesada, pautada nas crenças religiosas historicamente construídas, da ideia do “crescei e multiplicai”, ficando a maior carga para ela, de parir, de amamentar, de educar (a culpa é sempre da mãe) muitas vezes sem pensar no seu próprio desejo, nos seus projetos pessoais.
É imprescindível questionar o discurso padronizado de como a mulher deve ser: mais bonita, mais sensual, boa de cozinha, boa de cama, boa mãe, tornando-as vítimas do elogio machista e privando-as da liberdade de ser o que querem, sem escravizarem-se nos estereótipos femininos. As mulheres que brigam pelos mesmos espaços que os homens, tanto no âmbito profissional, no esporte, no lazer, nas relações amorosas e de amizade se tornam donas de sua própria construção histórica.
Claro que não é fácil conquistar esse espaço e em muitos momentos essa mulher precisará bater de frente com todo tipo de alienação e dominação masculina, seja ela velada ou explícita nas mais variadas formas de violência: doméstica, sexual, patrimonial e moral. Aqui tomo emprestado um conceito que Freud empregou em Mal-Estar da Civilização, onde cunhou a expressão “narcisismo das pequenas diferenças” tentando, explicar as grandes intolerâncias. É quando a diferença é pequena, e não quando é acentuada, que o outro se torna alvo de intolerância. É quando as insígnias da diferença começam a desfocar, que a intolerância é convocada a restabelecer uma discriminação, no duplo sentido da palavra, sem a qual as identidades ficariam muito ameaçadas.
No caso das pequenas diferenças entre homens e mulheres, parecem ser os homens os mais afetados e não só porque isso implica possíveis perdas de poder, como argumentaria um feminismo mais belicoso, e sim porque coloca a própria identidade masculina em questão. Interessante é que a mulher encare a conquista de atributos “masculinos” como direito seu de apropriação de algo que de fato lhe pertence e que nunca lhe foi dado.
Daniela Rita de Souza
Psicóloga do CREAS e Psicóloga Clínica .
CRP - 03/10945.