Fim da greve!
A greve acabou, mas a luta segue mais importante do que nunca
Ianca Oliveira, Vannessa Mascarenhas, Alessandro Prates | Mestrandos do PPGCOM
A recente greve dos docentes das instituições federais de ensino no Brasil, que chegou ao fim recentemente, foi um marco significativo na luta pela preservação e valorização do ensino universitário público no país. A mobilização, que contou com a adesão de professores e técnicos de diversas universidades federais, destacou a importância de um dos instrumentos mais democráticos disponíveis para os trabalhadores: a greve.
A greve dos docentes e técnicos foi motivada por uma série de questões que ameaçam a qualidade e a existência do ensino público superior no Brasil. Entre os principais pontos de reivindicação estavam o aumento do financiamento para a educação, a valorização salarial dos professores, a garantia de melhores condições de trabalho e a defesa da autonomia universitária. Nos últimos anos, o ensino superior público brasileiro tem enfrentado um desmonte preocupante, com cortes orçamentários significativos que comprometem a infraestrutura, a pesquisa, e a própria continuidade de diversos programas acadêmicos.
O fim da greve entretanto não significa que todas as questões estão resolvidas. Entretanto, a categoria entendeu que após 70 dias de paralisação a melhor alternativa seria aceitar as propostas do governo.
No caso dos docentes, a proposta inclui a reestruturação da carreira, com ganhos médios de 9% em janeiro de 2025 e 3,5% em maio de 2026. Além disso, haverá uma reestruturação na progressão entre os diferentes níveis da carreira. Dessa forma, o salário inicial de um docente com doutorado passará para R$ 13,7 mil, enquanto um professor titular, no topo da carreira, receberá R$ 26,3 mil em 2026.
Para os técnicos, a proposta prevê um reajuste médio de 31,2% ao longo de quatro anos, além de melhorias na progressão na carreira, que aumentará dos atuais 3,9% para 4,0% em janeiro de 2025 e para 4,1% em abril de 2026. Esses reajustes representam um avanço significativo para os técnicos, que desempenham um papel essencial no funcionamento das instituições de ensino.
Além dos reajustes salariais, o Ministério da Educação se comprometeu a revogar a Portaria nº 983/2020, que regulamenta atividades docentes no âmbito da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. Foi acordado também a criação de um Grupo de Trabalho com prazo de 60 dias, após a assinatura do acordo, para a elaboração de uma nova regulamentação.
Outro ponto importante do acordo foi a recomposição do conselho que estabelece as diretrizes para a concessão da certificação destinada a professores de cursos técnicos de nível médio. Essa medida visa garantir que as certificações sejam concedidas de maneira justa e coerente com a realidade e as necessidades dos docentes e dos cursos técnicos.
Conversamos com o professor do PPGCOM e integrante da diretoria da APUR - Associação dos Professores Universitários do Recôncavo, Jorge Cardoso Filho, sobre o processo da greve e quais eram as principais reivindicações de pautas de luta.
Considerando que a greve se findou, o que ficou ajustado?
Nas assembléias foram discutidos alguns pontos, entre eles os orçamentos e recomposição salarial dos servidores técnicos e corpo docentes, e “até o momento conseguimos de construção foi a recomposição parcial nos salários, a recomposição parcial no orçamento das universidades e revogação de alguns decretos publicados no governo de Temer e Bolsonaro. Os professores aqui da UFRB consideraram que com o atendimento parcial da pauta da recomposição salarial, da pauta da recomposição orçamentária e da revogação de alguns decretos, a gente tinha condições de sair do movimento grevista e voltar a atividades regulares e manter a mobilização.”
O que será preciso fazer a partir de agora referente as articulações dos professores?
“Eu acho que ficou explícito para o movimento docente que a gente está numa conjuntura no governo federal de um avanço muito grande na pauta conservadora, no termo dos costumes e moral, é um avanço do neoliberalismo, de fato. Uma vez que o ministro da Economia, Fernando Haddad, tem feito esforços muito grandes para garantir o arcabouço fiscal, segurando investimentos do governo em educação e saúde, propondo inclusive redução no piso constitucional de investimento nessas duas áreas. Então a gente está entendendo que vai ser preciso aí mesmo fora da greve continuar debatendo a função. Do Estado num país como o Brasil, emergente, e o papel que os investimentos públicos possuem nesses campos estratégicos da sociedade, que são saúde, educação, transporte, moradia. A gente não consegue avançar nisso só a partir de iniciativa privada, ou pagando a bancos e a reguladores, mas é preciso de fato o investimento do governo nisso. Então o movimento sai da greve, mas reconhece que vai ser necessário uma mobilização intensa nos próximos anos para disputar essas pautas no Congresso e fazer com que o governo federal se alinhe com a pauta de esquerda”, afirma.
Na perspectiva do corpo docente, quais foram os pontos chaves das reivindicações e dos reajustes negociados com o governo?
Bom, para nós do movimento, os dois pontos principais eram a recomposição salarial e orçamentária. A gente vinha com um déficit salarial, uma perda acumulada de mais de 22% de perda, desde 2015 para 2024, então a gente precisava recompor essa perda para retomar nosso poder de compra e ao mesmo tempo a universidade também caiu o orçamento dela drasticamente entre 2016 e 2024, de modo que a gente tem atualmente um orçamento na UFRB que é menor do que o orçamento em 2016, sendo que naquele ano a gente ainda não tinha tantos cursos quanto a gente tem hoje, tantos alunos quanto etc. Com a dimensão insuficiente, é importante ressaltar que o que o governo assinou ainda está longe do necessário, para atender plenamente as necessidades.
Diante da precarização da educação pública do País, essa greve dos servidores e docentes se faz importante por qual causa?
A atual greve assume o papel na construção de novos horizontes de militância que serão muito importantes nas lutas contra as pautas conservadoras e extremistas, sendo importante na criação de um pensamento coletivo, unificado e atento para essas demandas sociais que a educação e ciência tem na, e para a reconstrução do País. Sendo ela um ganho simbólico e político para o movimento social e sindical que diante da precarização da educação pública, conseguimos manter 62 instituições federais em greve, entre docentes e servidores técnico-administrativos.
O fim da greve não representa o término da luta, mas sim uma etapa concluída de um processo contínuo de resistência e reivindicação. Os docentes voltaram às salas de aula com a certeza de que a mobilização fez ecoar suas vozes e trouxe à tona questões cruciais que não podem mais ser ignoradas.