Interiorização do ensino superior
UFRB e PPGCOM como possibilidade de abertura de caminhos em Cachoeira e São Félix
Adailane Souza, Fellipe Moreira e Antônio Rodolfo Andrade | Mestrandos do PPGCOM
Imaginar que a cidade heroica e a cidade presépio abraçariam através de seus prédios históricos, ruas, ares e fluxos uma instituição federal poderia parecer meio utópico para gerações que tinham o desejo de ter ensino superior antes dos anos 2000. Universidade pública em Cachoeira e São Félix? O interior com cursos de bacharelado e licenciatura? E mais ainda: pós-graduação? Só lá na capital, ou talvez em Feira de Santana - alguém poderia dizer.
A Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) nasceu do desmembramento da escola de agronomia da Universidade Federal da Bahia. Presente na cidade de Cruz das Almas desde 1943, como escola agrícola da Bahia, passou a se chamar escola de agronomia da Universidade Federal da Bahia, após ser vinculada à instituição em 1967. Em 2004, propõe-se que a Escola Agronômica seja integrada à UFRB, como seu núcleo inicial. Possibilitando o funcionamento de uma nova instituição a partir do ano seguinte. É nesse contexto que surge a UFRB, a universidade mais negra do Brasil.
Abraçaram a ideia de interiorizar o ensino superior. E o interior abraçou a ideia. Virou manchete dos jornais: em 29 de abril de 2005, trezentas pessoas abraçaram simbolicamente o prédio do Quarteirão Leite Alves, antiga fábrica de charutos, que abrigaria um campus da UFRB.
Fonte: Jornal A Tarde (A Tarde Municípios)
Enquanto aquele espaço não virava o prédio amarelo facilmente reconhecível quando atravessamos a ponte Dom Pedro II, o Colégio Estadual da Cachoeira (CEC) abrigou as primeiras turmas. E, em maio de 2008, com a presença do então presidente Lula, foi inaugurado o campi que hoje é conhecido como Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL). Em dias atuais, espalhado para além do Leite Alves: no prédio do Hansen Bahia, no Ana Nery, no edifício do antigo INSS em São Félix e em diversas outras locações, locais e localidades. E além: na economia, nas casas, nas vivências, nas trocas, na pesquisa, na extensão e no ensino.
Foto: Ricardo Stuckert/PR
Às margens do Rio Paraguaçu, que testemunhou tantas histórias e agora nutre novas esperanças, o CAHL promove uma formação humanista, incentivando o pensamento crítico. Atualmente, acolhe onze cursos de graduação e cinco de pós. O Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) é um deles, criado em 2017, faz parte desse vasto e rico cenário que se desenvolve no Recôncavo da Bahia. Ali, a academia se encontra com a cultura local, transformando sonhos em realidade e fazendo ecoar vozes que antes eram silenciadas.
Através do enfoque nas mídias e formatos narrativos, o PPGCOM estimula pesquisas descentralizadas, seja no campo da memória ou das sensibilidades. São vários os artigos, dissertações e projetos apresentados em seminários, congressos e palestras que dialogam com a história e as territorialidades da região. Tanto por discentes que passaram pelo programa, como pela obra "O rádio em Cachoeira" de Mariganzela de Sá, e também por docentes, como em "As Vestes da Boa Morte" de Renata Pitombo.
Pesquisas são realizadas no campo da arte, da estética, das narrativas orais ou escritas, ou em qualquer outra dimensão que possa estimular a convergência entre fenômenos e reunir comunicação, mídia, sensibilidade e memória. Sobretudo, com um olhar que visa a valorização, a exposição do que historicamente foi silenciado, a luta pela equidade e outros aspectos voltados para o social.
"A presença do curso na região permite que questões locais sirvam de base para a formulação de problemas de pesquisa no campo comunicacional e para o desenvolvimento de atividades de extensão que resultem por produzir impactos (sociais, culturais, educacionais, políticos) que, de fato, contribuam para a melhoria das condições de vida das comunidades locais", destacou a professora Regiane Miranda.
Foto: Reprodução / @ppgcom_ufrb
Regiane participou por alguns anos da coordenação do programa, e, entre outros trabalhos, esteve à frente também, junto com a professora Jussara Maia, da organização do livro "Visões periféricas: comunicação, memória e sensibilidade" que reúne algumas pesquisas de discentes e docentes voltadas justamente para essa visão descentralizada de fazer pesquisa."Torna-se possível constituir um campo de investigação interdisciplinar que propicie o diálogo entre o conhecimento acadêmico e os saberes locais. Uma possibilidade ímpar para se pensar em formas de inovação de estratégias metodológicas no campo comunicacional", pontua.
Um exemplo de diálogo entre vivências locais, ensino e extensão é do jornalista formado pela UFRB e mestre em Comunicação pelo PPGCOM, Mário Jorge. Seu sonho de ser pesquisador de mestrado foi realizado pouco tempo depois do programa surgir. Mário ingressou na segunda turma (em 2018.1) aprovado na linha de comunicação e memória.
"Quando tivemos a notícia da aprovação pelo MEC em 2017, foi uma alegria muito grande, pois representava a possibilidade de iniciar para valer uma jornada de pesquisador, que era um grande desejo!", afirma Mário.
Ele destaca também a compreensão de que aquilo representava uma conquista, por se tratar do segundo programa de pós-graduação em Comunicação na Bahia e o primeiro no interior. "E sendo em Cachoeira, que é minha cidade natal, representou uma grande conquista para o CAHL, para a universidade, para Cachoeira e São Félix, e para o campo da comunicação, a possibilidade de pensar não a partir do centro, mas do interior do Nordeste.", complementa.
O PPGCOM vem crescendo a cada ano. Mário faz uma comparação dos dias atuais, em que o corpo docente está cada vez mais encorpado, os grupos de pesquisa mais maduros e a organização discente ampla, diversa e com pessoas do território. Além do número de bolsas que vem aumentando graças aos esforços das pessoas envolvidas.
"Vimos o programa avançar bastante e se estabelecer de fato, alcançando bons resultados, como a conquista do conceito 4 [de cinco possíveis] pela Capes, que é uma nota excelente para o período de 2017 a 2020, o que demonstra o comprometimento da coordenação, docentes, técnicos e discentes nos primeiros anos do curso. Temos artigos e livros publicados com pesquisas desse período. Eu, por exemplo, tive um livro publicado pela Editora da UFRB, com o selo dos 15 anos de ações afirmativas da universidade, que resultou da minha dissertação que fala de Juventudes Negras na TV, orientada pela Professora Jussara Maia".
Foto: Acervo Pessoal
Esse e outros sonhos são possíveis quando há políticas que tratam a educação como caminho. De facilitação do acesso ao ensino, à pesquisa, ao debate, ao conhecimento.
"Acho que o fato de estar estabelecido no Recôncavo tem contribuído para pensar a comunicação em suas dimensões políticas, éticas e sociais, no contexto das territorialidades, das corporeidades e das resistências, pensando a comunicação social de forma muito ampla e potente.", enfatiza o jornalista.
Em pouco tempo de (re) existência, a instituição possui cursos de bacharelado, licenciatura, mestrado e está na luta para uma possível consolidação de um programa de Doutorado. A professora Regiane Miranda enfatiza essa possibilidade como algo inédito: "Estamos aguardando a avaliação da proposta do curso que, se aprovado, será o primeiro programa no campo da Comunicação, nível doutorado, localizado numa cidade do interior do nordeste." Caso ocorra, será mais um marco na história da federal do Recôncavo, que segue na luta coletiva através de discentes, docentes, servidores e demais colaboradores pela melhoria da educação pública, sobretudo de ingresso e principalmente permanência.
Para outras informações sobre o programa, incluindo editais de seleção, acompanhe neste site e também no Instagram: @ppgcom_ufrb