Sabe aquela peça de roupa, lençol ou bichinho de pelúcia que não conseguimos dormir sem o seu cheirinho, a marca de desodorante na manga da camisa ou quem sabe as desproporcionais dimensões de uma roupa que acaba cedendo ao toque, aos ajustes e as adequações dos corpos de quem a usa? Pois é a roupa não é uma mera mercadoria, extrapola as fronteiras da ‘moda’ e dos modismos, revela a sua concreta relação com quem a usa.
“A magia da roupa está no fato de que ela nos recebe: recebe nosso cheiro, nosso suor, recebe até mesmo nossa forma” (Peter Strallybrass, O casaco de Marx: Roupas, memória e dor). Tais impressões registram nossa marca, comportam a materialidade das relações sociais inscritas por seus usuários.
Na modernidade a vida social dos indivíduos esteve profundamente relacionada à vida social da roupa, além de ser listada em testamentos, era tanto uma moeda como um meio de incorporação.
Na contemporaneidade a roupa ainda determina status, inclusão e/ou códigos de conduta. Como lembra Márcio Bender, “já fui barrado algumas vezes por não estrar com roupa adequada. Órgãos públicos e casas noturnas são locais que sempre exigem no mínimo camisa, calça e sapatos”, diz Bender.
As roupas carregam histórias, valores, memória e em certo sentido, a dor. Exprimem o luto, recriam a ausência, a frustração com a morte. Os fantasmas decididamente residem nos armários, se manifestam através da presença vigorosa das vestes que os abrigam. Maria Félix, lembra com certa emoção da morte de sua mãe e relata que após ela ter morrido, evitou abrir o armário da mãe. “Seu cheiro, suas roupas, tudo lá me lembrava ela”, fala Maria.
Talvez resida aí a capacidade da roupa de durar no tempo, de ser um legado, uma memória ativa, um bem material e imaterial, de carrgar o corpo ausente, de sustentar seus gestos.
Strallybrass resume bem a sua concepção sobre roupas. “Ao pensar nas roupas como modas passageiras, nós expressamos apenas uma meia verdade. Os corpos vêm e vão: as roupas que receberam esses corpos sobrevivem”.
Por: Vanhise Ribeiro